Monday, April 10, 2006

de mãos dadas...

Há algum tempo foi publicado este texto meu no Jornal de Notícias...


Num final de tarde deste início de primavera, eu e o Danyel, - o meu namorado -, terminado que foi um dia de trabalho e de estudo, passeamos de mão-dada pela Alameda Júlio Henriques (para quem não conhece a cidade é uma belíssima artéria junto ao Jardim Botânico). Um jovem estudante cruza-se connosco e o seu olhar fica tão espantado pelo gesto de carinho que partilhamos naquele momento, que se tolda, e choca com um outro transeunte! Eu e o Danyel rimo-nos…

Continuamos o nosso caminho e comentamos o nosso dia. As tarefas de trabalho! As aulas! A cozinha espera-nos! O jantar está por fazer e tentamos decidir o que será a nossa refeição. Sabemos que depois desta teremos a visita de um grupo de amigos e amigas que irá passar lá em casa para beber um chá e comer umas 'bolachitas'.


Durante esse chá acabamos por falar deste texto e da 'luta pela sobrevivência' que todos sentimos no quotidiano na cidade de Coimbra. Falamos do trabalho de investigação etnográfica em geografia social urbana que realizei no ano lectivo passado como estudante finalista da licenciatura de geografia da Universidade de Coimbra.

Nesse trabalho, ao longo de um ano, tentei juntamente com algumas dezenas de homossexuais da cidade, e num modelo de investigação/acção/participação, perceber como é que as vivências urbanas da cidade de Coimbra 'limitavam' as sociabilidades homossexuais em espaço público e semi-público.

Defendi nesse momento académico que as redes de amizade entre homossexuais são essenciais na estruturação social e espacial da 'comunidade' lésbica e gay na cidade de Coimbra. Este aspecto foi confirmado pelo modo como este grupo de pessoas, essencialmente constituído por jovens estudantes universitários, tenderia a encontrar-se em determinados espaços - bares e cafés - da cidade e a apropriar-se deles com o objectivo de construir espaços de visibilidade e de segurança perante a discriminação.

Sendo que Coimbra não possuiu espaços de diversão nocturna identificados como 'bares gays' esta comunidade apropria-se de outros espaços e tempos, como sejam o momento da realização de reuniões de associações gays e lésbicas, ou o espaço privado de casa como espaço de encontro, ou ainda a frequência de alguns dos espaços de diversão nocturna criando efeitos importantes na estruturação das sociabilidades homossexuais na construção de resistências perante a homofobia e a discriminação.

Numa das entrevistas que realizei um dos meus estudados, - jovem estudante universitário oriundo do interior norte do país - referia que a cidade de Coimbra é, pois, uma desilusão, pois sendo "uma cidade tipicamente universitária, supostamente intelectual e supostamente… informada" é no entanto uma cidade onde "existe tanta homofobia e tanta heteronormatividade instituída". Como afirmou este jovem é pois "importante que a cidade cresça a nível de mentalidade e a nível de espaço também, que realmente se desenvolvam com naturalidade as dinâmicas sócias entre homossexuais…" sendo para isso necessário a informação e o esclarecimento pois "nota-se realmente que as pessoas da cidade estão muito pouco esclarecidas".


São já duas da manhã, e o último resistente saiu agora de casa. Eu e o Danyel observamos, na varanda de casa, a cidade. Comentamos a nossa cidade! Comentamos o olhar daquele jovem que connosco se cruzou no final de tarde! Sabemos pois a dificuldade de se amar alguém do mesmo sexo. Abraçados, na nossa varanda, pensamos no muito que há para mudar nesta nossa cidade!