Wednesday, June 22, 2005

o jantar e o café

Como habitual fui jantar com o Danyel e mais dois dos meus informantes, o Zé Luís e o Afonso, às cantinas a que se seguiu um café antes de mais uma noite de alguma escrita...

Seguindo as regras fui às amarelas a cantina onde grande parte dos meus informantes, estudantes universitários, costumam tomar as suas refeições: a noite estava calma mas alguns dos meus informantes e observados por lá jantavam agrupados nos seus grupos habituais.
Cruzando olhares, cruzando comentários o pessoal comiam a “maravilhosa” comidinha e tentavam esquecer o calor que fazia...
O Zé Luís e o Afonso não deixaram de ir contando as suas histórias, tecer os seus comentários, e dizer as suas piadinhas sobre aquele corte de cabelo, aquela roupa... aquela fama ou aquele corpo!

Terminado o jantar foi tempo de beber um café. A nossa escolha recaiu no Tropical que cerca de 21 horas estava ainda calmo... os nossos companheiros de cantina cedo se deslocaram para o mesmo café.
De novo: os comentários, os sorrisos, os olhares, os comentários sobre “quem anda com quem”!

Ironia dei comigo a pensar que significado teriam aqueles hábitos de vivência à hora do jantar... Talvez signifiquem apenas que esta comunidade – de silêncios e comentários de surdina – necessita ainda assim de se sentir junto no mesmo espaço. Ou será que significa que ao longo do tempo, se foi “queerizando” o espaço de uma cantina como local de encontro social da mesma comunidade?

Thursday, June 16, 2005

uma escola e uma paragem de autocarro

Ontem tive numa escola a falar durante mais de três horas sobre homossexualidade, homofobia e outras coisas que tal. Foi uma das minhas muitas idas a escolas secundárias ou profissionais ao longo dos últimos anos, mas a única até agora feita numa escola de Coimbra.

O convite partiu de um aluno homossexual da escola profissional ITAP, e integrado num módulo sobre Direitos Humanos, o que me satisfez. Na conversa inicial com o jovem ele falou-me da violência verbal de que é alvo na escola, da forma como se sente por vezes inseguro e pouco motivado para ir à escola… Questionei-o sobre a sua turma e as reacções do professores que ele classificou de muito boas… “mas os colegas da escola só sabem andar bocas!”

A sessão propriamente dita correu bem, se bem que algumas das perguntas do costume, (visibilidade e marchas, origem da homossexualidade) ficaram de fora…

No final quando voltava, juntamente com o Danyel, para o trabalho pensei de como os meus informantes, na sua maioria alunos do ensino superior.

Junto ao Estádio Cidade de Coimbra enquanto esperávamos um autocarro, eu o Danyel namoriscávamos quando olhamos para o outro lado da paragem de autocarro e sorrimos um para o outro. Do outro lado um casal lésbico namoriscava também, trocavam carinhos, beijavam-se…

Sorri para o Danyel e comentámos essa grande coincidência… mas uma realmente coincidência feliz que não pensei em ver assim no espaço público de Coimbra!

Wednesday, June 15, 2005

futilidades e conversas

Ontem foi dias de copos... eu o Danyel mais o Ivo e o Daniel G. Fomos beber um copo no Quebra Club.
Nste grupo restrito, o Ivo e o Daniel G são dois dos meus informantes privilegiados, estive assim umas horas a conversar sobre o meu trabalho de investigação mas acima de tudo sobre as vivências homossexuais de que eles se sentem parte.
Um dos momento da noite foi sem sombra de dúvida aquele em que o Daniel G. comparou o espaço do Quebra Club, com o Quebra Costas. Segundo ele o estabelecimento junto ao rio Mondego é bem mais heteronormavo, menos intimista do que o clássico bar na alta de Coimbra. É bem possível que assim seja, até porque a área do Parque Verde é um dos locais “mais fashion” da cidade, enquanto que o “velho” Quebra é “um espaço mítico da noite de Coimbra”.
Passado este momento a nossa conversa derivou para questões de futilidade como sejam os novos cortes de cabelo que queremos fazer, as novidades de uma qualquer marca de roupa, ou de telemóveis..
Os meus informantes conseguiram ainda falar sobre as mudanças no “chá”, as “outras bichas” presentes, os olhares, aquela mesa no canto....

Quando penso neste nossa noite reflicto sobre alguns dos modelos de construção das sociabilidades homossexuais em Coimbra. Tenho vindo ao longo do tempo a ressaltar algumas ideias que me parecem essenciais:
- a cidade tem um vivência urbana que limita as sociabilidades homossexuais em espaço público e espaço semi público (como bares ou discotecas);
- a “comunidade” homossexual da cidade, encontra-se realmente disseminada pela cidade, se bem que em momentos de maior sociabilidade tendem a se encontrar em determinados espaços;
- esses espaços determinados funcionam como espaços de segurança e visibilidade (que têm vindo a crescer ao longo do tempo) e apesar de não serem marcadamente “espaços gays” foram, e são, apropriados pela “comunidade” construindo e vivendo neles as suas sociabilidades;
- que a “comunidade” se organiza fortemente em redes de amizade e que esta tem um papel essencial nas sociabilidades dos homossexuais, em particular dos jovens homossexuais estudantes universitários (um dos problemas do meu estudo actualmente é que o número de pessoas que responderam ao meu inquérito é bastante centrado sobre a população universitária).

Tuesday, June 14, 2005

Eugénio, Al Berto e Pitta

O poeta e crítico Eduardo Pitta escreveu uma coluna no Diário de Notícias de hoje, sobre a morte de Eugénio de Andrade, sobre a coincidência de Al Berto ter morrido no mesmo dia, e sobre a homossexualidade de ambos.

Porque a literatura é feita de espaços e de territórios, porque os dois poetas portugueses tinham em algum momento da sua vida calcorreado as ruas de Coimbra… aqui vai o texto.

De resto só nos pode ficar o agradecimento a Eduardo Pitta pela lucidez e pela coragem ao escrever este texto tão belo… e duro!

Eugénio e os áulicos

Eduardo Pitta

Eugénio de Andrade morre no dia em que se completam oito anos sobre a morte de Al Berto. A coincidência arrasta consigo um travo irónico, mas vai com certeza passar despercebida. Al Berto pertencia às tribos da noite. Eugénio foi sempre um poeta do establishment. Se fosse russo teria direito a datcha na costa setentrional do Mar Negro, que é o equivalente "rústico" de um palacete no Passeio Alegre. Nada disto é fruto do acaso. Supremo percalço, a morte de Cunhal, ocorrida na mesma madrugada, corrige a pontaria dos holofotes.

Não se veja acrimónia neste breve intróito. Um poeta como Eugénio, provavelmente o último de uma linhagem de poetas populares (Florbela Espanca, António Botto, Pedro Homem de Mello, David Mourão-Ferreira, Ary dos Santos, Al Berto), quando desaparece do nosso convívio, merece ser lembrado como alguém que suscitou paixão. Ainda há pouco tempo lembrei que ele nos ia deixar meia dúzia de poemas definitivos, e meia dúzia só pode parecer pouco aos tontos do costume. Poemas como Green God, de As Mãos e os Frutos (1948), e Adeus, de Os Amantes sem Dinheiro (1950), iluminam um fugaz entreacto que cessa com As Palavras Interditas (1951). Dito de outro modo a partir de Até Amanhã (1956), Eugénio foi progressivamente rarefazendo o sentido do discurso, obnubilando, e deixando que outros obnubilassem ainda mais, aquilo que um poeta tem de mais sagrado a sua identidade. A condição homossexual foi reiteradamente branqueada, e "o lume breve entre as nádegas" submerso sob a cal de todas as conveniências. Breves lampejos (em 1972, com Obscuro Domínio, deu-se um episódico retorno à ordem falocêntrica) nunca beliscaram o perfil hierático. O resto encontra tradução em dois versos eloquentes "Não dizias palavras, ou só dizias / aquelas onde o rosto se escondia." (Ostinato Rigore, 1964).

E desse modo Eugénio foi impondo um discurso que se tornou o paradigma do não-dito. Mais grave, porém - o autor tem sempre direito à sua dose de elipse -, foi o comportamento da crítica, a qual, se no tempo da ditadura podia ter tido razões que a exegese desconhece, deixou de tê-las no dia a que Sophia chamou "O dia inicial inteiro e limpo". Tal não aconteceu. Eugénio foi sendo incensado com loas, enquanto os áulicos que à sua volta parasitam cuidavam de erguer um panteão de "respeitabilidade". Terá valido a pena? É provável que um dia, quando a distância permitir uma avaliação fria, a sociologia da literatura nos dê respostas.

Refém de uma estratégia de representação equívoca, jogando o jogo dos referentes sem género gramatical, confrontando-se com Cernuda e Sandro Penna, Eugénio construiu uma obra formalmente inatacável, com momentos de excepcional conseguimento, quais sejam os títulos já referidos, mas também Limiar dos Pássaros (1976) e O Peso da Sombra (1982). O balanço é francamente positivo, e manda a verdade dizer que a questão identitária não pode nem deve servir de empecilho ou álibi. Com a sua morte fecha-se um capítulo do século XX português.

as palavras interditas




Os navios existem e existe o teu rosto
encostado ao rosto dos navios.
Sem nenhum destino flutuam nas cidades,
partem no vento, regressam nos rios.

Na areia branca, onde o tempo começa,
uma criança passa de costas para o mar.
Anoitece. Não há dúvida, anoitece.
É preciso partir, é preciso ficar.


Os hospitais cobrem-se de cinza.
Ondas de sombra quebram nas esquinas.
Amo-te... E entram pela janela
as primeiras luzes das colinas.

As palavras que te envio são interditas
até, meu amor, pelo halo das searas;
se alguma regressasse, nem já reconhecia
o teu nome nas minhas curvas claras.

Dói-me esta água, este ar que se respira,
dói-me esta solidão de pedra escura,
e estas mãos noturnas onde
aperto

os meus dias quebrados na cintura.
E a noite cresce apaixonadamente.
Nas suas margens nuas, desoladas,
cada homem tem apenas para dar
um horizonte de cidades bombardeadas.



Eugénio de Andrade
in «As palavras Interditas» (1951)

espaços seguros!

A situação que descrevi no post anterior tem me feito pensar bastante sobre a construção dos espaços de segurança no quadro das vivências “queer” em Coimbra.

A não existência de espaços oficialmente homossexuais na cidade, a existência de uma comunidade muito fechada e pouco visível, torna difícil a existência de espaços e vivências realmente seguras da violência homofóba.
Neste quadro a comunidade parece construir como espaços seguros os espaços centrais da cidade, nomeadamente aqueles de que ela se foi apropriando ao longo do tempo. Não é de todo estranho que grande parte dos meus informantes se sinta à vontade no Quebra-Costas e que este espaço se constitua para tantos como o verdadeiro “lugar de eleição na cidade”.

Em outras cidades são os bares e discotecas gays que se constituem como espaços de segurança, sendo que raramente esta segurança se denota também no espaço público. Um olhar sobre Lisboa faz denotar exactamente este aspecto: a maioria dos bares gays são na área do Príncipe Real, mas este bairro está longe de ser o espaço mais seguro para os homossexuais na capital. Interessante que ao nível das expressões publicas de carinho estas acontecem com mais frequência em espaços como o Bairro Alto ou o Chiado. Isto acontecerá devido ao efeito da multidão multicultural e cosmopolita que frequentemente estão neste espaços? É possível que assim seja...

Existem bastante referência contemporâneas na geografia urbana veja-se por exemplo o volume editado por Loreta Lees “The emancipatory city” editado em 2004 pela Sage - sobre as questões a seguralnça no espaço urbano, a violência e o medo, ou os crimes de ódio. Uma das autoras que tem dedicado alguma atenção a esta questão é a geógrafa urbana feminista Rachel Pain.

Pain publicou em 2001 um texto na revista Urban Studies intitulado “Gender, Race, Age anf Fear in the City” em que (re)visitou grande parte dos estudos realizados nesta área. Deste modo ela analisa como se constroi socialmente do medo da violência e do crime a partir de identidade sociais diversificadas. Reforçando a ideia de que “muita gente associa fortemente o medo com lugares específicos” (p.899), Pain salienta ainda que as identidades sociais, em que analisa o género, a raça e a idade, são potenciados por outros factores como classe, local de residência rendimentos, e também a orientação sexual.
Reforçando nesse sentido o papel que tem as diferentes formas de exclusão, nomeadamente os actos subcriminais, Rachhel Pain inclui nestes o assédio e segregação racista, sexista e homofóba (p.902) e que ela identifica como presentes nos diferentes espaços da cidade e “relembrando a algumas pessoas a sua vulnerabilidade ao crime a aumentando o medo.” (p.902).

O meu olhar sobre o acontecimento que me aconteceu nessa noite faz pois me recordar os modos insidiosos como o medo, a insegurança e o ódio fazem parte do meu quotidiano. Apesar de algum à vontade publico com a minha homossexualidade esta experiência acabou por ser mais marcante ao longo dos últimos dias do que esperava. Reflexivamente não sei que significado terá esta situação no quadro da minha análise do trabalho que estou a realizar mas fica-me uma certeza de que dificilmente escaparei a ela.

Monday, June 13, 2005

um espaço inseguro?

Nessa mesma noite eu e o Danyel a caminho para casa dele subimos a Praça da Sé Velha e a Rua das Covas em direcção à universidade. Junto ao Bigorna recebemos o epíteto simpático de “paneleiros”.
Fiquei silencioso e silenciado…
Não consegui reagir!

Continuado o caminho comentámos o que se tinha passado. Tentámos perceber as razões para tal epíteto e as razões para o nosso silêncio. Sentia-me triste pela minha incapacidade de agirs e de reagir naquele momento… senti-me triste por não ter tido uma atitude mais pró-activa naquele momento.

Esta situação, geograficamente ao lado do bar mais “gay friendly” da cidade de Coimbra fez-me pensar na construção e nas vivências do “espaços seguros” da cidade de Coimbra.

Saturday, June 11, 2005

o olhar dela, o casalinho e os outros - histórias de uma noite

No sábado passado - faz hoje uma semana - resolvi ir beber um copo ao Quebra Costas. Decidi-me a sentar num canto e observar enquanto escrevia as minhas notas de observação de campo. Era apenas mais uma noite naquele que é o espaço mais “gay-friendly” da cidade, a beber uns copos e… esperar pelo Danyel.




Cruzo-me com aquele olhar… aquele olhar feminino, observa tudo… tenta perceber o mundo que circula à sua volta. O seu quotidiano passa por este espaço… mas o seu olhar prefere o mundo que aqui circula…
Olha mas fecha-se sobre si… a cara é fechada, inexpressiva, daquele tipo de pessoas que nunca se dá aos outros. Entretanto o seu olhar olha para mim curioso, tenta perceber que escrevo eu no caderno. Sinto-me despido, observado, analisado… mas o olhar dela fascina-me!

Ela olha para mesa ao lado da minha. Também eu olhei para aquela mesa e vi os dois jovens que ali estavam sentados. Como estou ao lado, cumprimentos um deles (conheço-o de uma das tertúlias não te prives).
Enerva-me não ter comigo o inquérito.
Continuamos na conversa e falo-lhes do meu trabalho de investigação, do inquérito, das entrevistas, da observação de campo e de algumas das ideias centrais do estudo que estou a realizar.
Começamos a falar sobre eles e sobre a relação que mantêm.
- Conhecemo-nos à dois meses. Estamos a pensar viver junto durante o próximo ano lectivo. - referiu um deles
- E como se conheceram?
- Na net, pelo “gaydar”, mas depois do primeiro café não nos largámos mais...
- E então como tem sido? Estão felizes...
- Tem sido bom... nesta fase, temos ficado por casa. Sair para onde? Nesta cidade não há nenhum local onde se possa estar à vontade...é tão difícil sair com um namorado em Coimbra.
Acabam de beber a cerveja e saiem.
Ironia, a mesa onde estão é de novo ocupada por um novo casal gay... que olhou para mim com uma curiosidade!

Chegou o pessoal, - o Zé Luís e o Afonso, o Gustavo e o Luís com um amigo – e a animação continuou... A boa disposição contagiou a mesa.
A “bichice” foi a marca da noite... As brincadeiras, a alegria e boa disposição patente no olhar de muitos dos outros convivas no espaço do Quebra Costas. A noite enlouqueceu: um grupo de homossexuais junto, na sua maioria assumidos, numa mesa, naquele espaço, provocaram uma boa disposição contagiante. Nesta noite rimo-nos de tudo: das roupas, dos tiques, dos olhares... rimo-nos de nós mesmos...

Entre os acontecimentos da noite esteve um beijo trocado entre mim e o Danyel. O Gustavo perguntou logo se aquilo era coisa que se fizesse naquele local. Sem saber, ele expressou todo o questionamento que está por detrás dos modelos de visibilidade da homossexualidade na cidade de Coimbra.